
"Os paquetes que entram de manhã na barra 
Trazem aos meus olhos consigo 
O mistério alegre e triste de quem chega e parte. 
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos 
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos. 
Todo o atracar, todo o largar de navio, 
É - sinto-o em mim como o meu sangue - 
Inconscientemente simbólico, terrivelmente 
Ameaçador de significações metafísicas 
Que perturbam em mim quem eu fui... 
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais 
E se repara de repente que se abriu um espaço 
Entre o cais e o navio, 
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente, 
Uma névoa de sentimentos de tristeza 
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas 
Como a primeira janela onde a madrugada bate, 
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa 
Que fosse misteriosamente minha."
Ode Marítima - Álvaro de Campos





